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Quatro coisas que mudam com a criptografia no WhatsApp – e por que ela gera polêmica

Em 07/04/2016

Com o que chamam de "criptografia de ponta a ponta", as mensagens são embaralhadas ao deixar o telefone da pessoa que as envia e só conseguem ser decodificadas no telefone de quem as recebe.

"Quando você manda uma mensagem, a única pessoa que pode lê-la é a pessoa ou grupo para quem você a enviou. Ninguém pode olhar dentro da mensagem. Nem cibercriminosos. Nem hackers. Nem regimes opressores. Nem mesmo nós", disse a empresa em um comunicado.

A privacidade das comunicações em aplicativos de bate-papo tem sido objeto de decisões judiciais polêmicas no Brasil e nos Estados Unidos. Entenda como o anúncio do WhatsApp pode mudar o jogo:

1. Atinge muito mais pessoas
Desde o escândalo de espionagem do governo americano revelado por Edward Snowden, aplicativos de mensagens como Telegram traziam algumas opções de criptografia e, por isso, vinham se tornando os prediletos de quem está mais preocupado com privacidade.

A Apple, por outro lado, oferece criptografia de ponta a ponta nas mensagens trocadas em seu serviço iMessage, disponível exclusivamente nos cerca de 800 milhões de iPhones vendidos até hoje.

A novidade do WhatsApp, no entanto, chegou de uma só vez para 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, que é a sua base atual de usuários.

"A única empresa com mais acesso a comunicações é o Facebook, que é o dono do WhatsApp. É uma coisa extraordinária", disse à BBC Brasil Mario Viola, advogado especialista em privacidade e big data do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio).

A criptografia na nova versão do WhatsApp é automaticamente habilitada para todos – exceto em grupos ou conversas onde nem todos atualizaram o aplicativo. E não é possível optar por não ter esta camada de segurança.

Mas o que exatamente ela traz de novo?

Antes da criptografia de ponta a ponta, havia a possibilidade de que mensagens fossem interceptadas no meio do caminho, caso os servidores do WhatsApp fossem invadidos por hackers ou por agentes de governos.

"Agora, se alguma informação conseguir ser interceptada, a pessoa só verá um bloco de texto sem sentido algum", disse à BBC Brasil Gabriel Aleixo, pesquisador de criptografia do ITS-Rio.

"Só quatro ou cinco governos no mundo talvez consigam quebrar a criptografia que o WhatsApp implementou. Para um hacker, a chance é muito pequena. É um sistema bastante rigoroso."

Segundo Aleixo, cada mensagem enviada no aplicativo – seja de texto, vídeo, foto ou áudio – é criptografada usando uma única chave. Ainda que uma pessoa ou empresa quebre essa chave e leia uma mensagem, não conseguiria ler a outra, mesmo que esteja na mesma conversa.

Na prática, a experiência de quem usa o aplicativo não muda. Nos bate-papos, aparece uma mensagem informando que uma conversa está criptografada, a menos que o destinatário das mensagens ainda não tenha atualizado o aplicativo.

 

2. Dificulta (ainda mais) o cumprimento de ordens judiciais
No início do mês de março, o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, ficou preso por cerca de 24 horas em São Paulo após mandado expedido por um juiz da cidade de Lagarto (SE).

A Polícia Federal havia solicitado a quebra do sigilo de mensagens no WhatsApp para uma investigação de tráfico de drogas interestadual. O Facebook, no entanto, não liberou as conversas.

Em novembro de 2015, o aplicativo foi bloqueado no Brasil por 12 horas por um motivo semelhante.

"Eles não conseguiam obedecer as decisões judiciais justamente porque já não armazenavam as mensagens. Agora, mesmo que o hacker ou uma agência do governo tentasse entrar numa comunicação e interceptasse o conteúdo, seria muito difícil compreendê-lo, por causa da criptografia. É como um correio que não tem condição de abrir as cartas", explica Mario Viola.

O aplicativo já usava criptografia, em menor escala, desde 2012. As mensagens de texto eram cifradas durante o curto período em que ficavam armazenadas nos servidores da empresa.

Elas são apagadas dos servidores assim que são entregues ao destinatário.

"A partir de agora, a empresa pode comprovar, de maneira técnica, que não tem acesso ao conteúdo das mensagens que transitam em seus servidores. Fica mais fácil se defender das decisões judiciais", diz Gabriel Aleixo.

3. Torna a vida de hackers e autoridades mais difícil (e a de ativistas ou criminosos que usam o app, mais fácil)
A Anistia Internacional disse que o anúncio representa uma "grande vitória" para a privacidade e a liberdade de expressão.

"Especialmente para ativistas e jornalistas que dependem em uma rede de comunicações forte e confiável para continuar seu trabalho sem colocar suas vidas em risco", disse a organização em nota.

Mas a notícia não deve ter agradado o Departamento de Justiça americano, que recentemente se disse preocupado com a informação "inalcançável" contida nos dispositivos. Questionado pela BBC, o Departamento não quis comentar o tema.

No caso da prisão de Diego Dzodan, a Polícia Federal brasileira argumentou que os criminosos "não fazem mais ligações" e estão migrando para o aplicativo.

O delegado regional de combate ao crime organizado de Sergipe, Daniel Hortas, disse à BBC Brasil que "os criminosos migram para o WhatsApp porque sabem que tem uma proteção de alguma forma".

Agora a proteção para eles aumentou – como também aumentou para ativistas que se organizam por meio do aplicativo em países onde há perseguição política e para cidadãos que obedecem as leis.

"Encontrar o equilíbrio entre investigar crimes e manter a privacidade das pessoas é difícil. É a pergunta de um milhão de dólares", afirma Viola.

"Depois do caso Snowden as pessoas têm preocupação maior com o que governos podem fazer com as suas informações. E casos pontuais de uso do aplicativo para cometer crimes não justificam uma vigilância massiva."

Para o especialista, ainda faltam estudos científicos mostrando que ter acesso a conteúdos de conversas nas redes sociais é realmente essencial para investigações criminais.

"Existem outras maneiras de investigar criminosos: localizar os telefones que trocam mensagens, fazer escuta em linhas de telefone não criptografadas ou mesmo tentar acessar os próprios celulares", diz.

 

4. Faz com que proteger o celular seja mais importante
Apesar da criptografia, ainda é possível ter acesso às mensagens trocadas no WhatsApp conferindo diretamente o celular de quem as enviou ou recebeu.

Por isso, os especialistas alertam que é preciso atenção em como proteger o dispositivo.

"A criptografia amplia a confidencialidade das informações que as pessoas trocam para lidar com assuntos de trabalho, fotos pessoais, etc. Mas para a privacidade isso não basta", diz Gabriel Aleixo.

"É preciso tomar uma série de outros cuidados com seu celular. Ter senhas de acesso, antivírus, selecionar bem os aplicativos que usa e conferir as permissões que eles instalam no seu celular."